Uma Visão Teosófica de Certos Métodos de Curar
Carlos Cardoso Aveline
inicialmente no boletim mensal
“O Teosofista”, edição de Julho de 2009
Existem várias formas de medicina alternativa e outras tantas práticas que podem preservar e melhorar a saúde. Serão todas elas eficientes? O uso do discernimento é necessário em cada aspecto da vida, e convém examinar quantas destas medicinas e práticas são, de fato, confiáveis.
Há numerosas referências favoráveis em relação aos Florais de Bach. Os vários tipos de alimentação vegetariana melhoram a saúde. A alimentação macrobiótica tem curado, em alguns casos, doenças graves. A natação e o Tai-Chi-Chuan são outras práticas que possuem efeitos benéficos. A aromaterapia, a fitoterapia, a acupuntura, a medicina chinesa antiga e a medicina homeopática são altamente recomendáveis, quando bem exercidas. H.P. Blavatsky escreveu, por exemplo, que cada loja teosófica deveria ter um pequeno dispensário homeopático.[1]
O que dizer, porém, de práticas como reiki, cura prânica, passes magnéticos e coisas semelhantes, hoje relativamente populares em meios chamados “esotéricos”? Em torno de reiki, por exemplo, circulam frequentemente altas somas de dinheiro. Há perigo em tais práticas? Qual o seu real significado? E até que ponto a mistura de interesses econômicos pessoais com práticas de “cura espiritual” constitui um agravante em relação a procedimentos que, em si mesmos, já são arriscados?
Helena P. Blavatsky viveu no século 19, mas o seu pensamento parece estar mais atual do que nunca no século 21. E ela tem algo a dizer sobre este tema. Ela chama atenção para o fato de que a diferença entre a magia altruísta e a magia egoísta está, sobretudo, na meta, na motivação e na ética. O objetivo determina os meios. Eis a advertência feita por H.P.B. no ano de 1890:
“À medida que a preparação para o novo ciclo avança e os pioneiros da nova sub-raça aparecem no continente americano, os poderes psíquicos e ocultos latentes no homem começam a germinar e a crescer. Disso surge o rápido crescimento de movimentos tais como Ciência Cristã, Cura Mental, Cura Metafísica, Cura Espiritual, e assim por diante. Todos estes movimentos representam apenas diferentes aspectos do exercício destes crescentes poderes − que até agora não foram compreendidos, e portanto são com muita frequência mal usados, sem que haja qualquer conhecimento. Entendam, de uma vez por todas, que não há nada ‘espiritual’ ou ‘divino’ em qualquer uma destas manifestações. As curas realizadas por elas se devem simplesmente ao exercício inconsciente de poder oculto nos planosinferiores da natureza − normalmente no plano do prana ou corrente vital. As teorias contraditórias de todas estas escolas estão baseadas em uma metafísica mal compreendida e mal aplicada, e frequentemente em falácias lógicas grotescamente absurdas.”
H.P.B. prossegue:
“Mas uma característica comum à maior parte delas, uma característica que atrai um grande perigo, é a seguinte. Em quase todos os casos os ensinamentos destas escolas levam as pessoas a pensar que o processo de cura é aplicado à mente do paciente. Aqui está o perigo, porque qualquer processo deste tipo − por mais astuciosamente disfarçado que seja com palavras e escondido por expressões faciais inocentes − significa simplesmente a dominação mental do paciente. Em outras palavras, sempre que o curador interfere − consciente ou inconscientemente − na livre ação mental da pessoa que ele está tratando, isto constitui − Magia Negra. As chamadas ciências da “cura” já estão sendo usadas como meio de vida. Não vai demorar para que algum esperto descubra que pelo mesmo processo as mentes das pessoas podem ser influenciadas em muitas direções diferentes. Como a motivação egoísta de obter ganhos pessoais e dinheiro já se misturou com tais práticas, aquele que era “curador” pode ser levado insensivelmente a usar o seu poder para adquirir riqueza material ou algum outro objeto do seu desejo.”
E ainda:
“Este é um dos perigos do novo ciclo, agravado enormemente pela pressão da competição e da luta pela existência. Felizmente, novas tendências também estão aparecendo, e elas estimulam a mudança da base da vida diária das pessoas desde o egoísmo para o altruísmo. (.....) O que eu disse no ano passado permanece verdade, isto é, que a Ética da Teosofia é muito mais importante do que qualquer divulgação de leis e fatos psíquicos. Estas leis e fatos se referem inteiramente à parte material e passageira do homem setenário, mas a Ética é absorvida e guia o homem real − o eu superior reencarnante. Nós somos, externamente, criaturas de um único dia; por dentro, somos eternos.” [2]
É preciso levar em conta também as causas das doenças e as lições que elas trazem ao indivíduo. Em seus Escritos Reunidos, H.P. Blavatsky nos dá um argumento ainda pouco conhecido contra as chamadas “curas mentais”, e a favor das curas iniciadas por processos físicos. Ela explica que as doenças físicas não surgem por acaso. Elas são efeitos de fatos sutis. O ato de enfrentar as doenças físicas por métodos comuns, com auxílio de processos curativos iniciados no plano físico, produz um aprendizado. Nosso organismo aprende a reagir e a defender-se, e podemos refletir, durante o processo, sobre como nos relacionamos com a saúde, com a doença, e com a vida física como algo que é transitório. Quem já não percebeu que uma gripe forte é uma ocasião para que o corpo e a alma se renovem e aprendam algo com o período de recolhimento forçado? As curas “milagrosas”, ocorridas de fora para dentro, removem apenas os efeitos e os sintomas da verdadeira doença e da verdadeira imperfeição. O carma que deveria ser enfrentado e transmutado através da doença continuará sem solução, sendo apenas adiado para outra ocasião, talvez para outra vida. No final da década de 1880 a srta. Susie Clark, praticante de curas mentais, escreveu que não havia necessidade de os líderes teosóficos tomarem remédios, porque os recursos da cura mental eram infinitos. Em resposta, H.P.B. foi clara e abordou o conceito de “carma postergado”:
“Evidentemente, a srta. Clark não pensou que ‘os teosofistas notáveis’ usam remédios por causa de alguns efeitos do Carma sobre suas vidas, e devido às propriedades ocultas destes remédios. Aparentemente, ela tampouco pensou no que se chama de ‘Carma postergado’; nem que, talvez, devido a um excesso de atenção dada ao seu corpo, ela esteja colhendo um efeito agradável pelo qual, em vidas futuras, ela terá de pagar; e nem que, ao usar sua mente de modo tão estranho para curar seu corpo, ela pode ter removido suas enfermidades do plano material para o plano da mente...” [3]
Em seguida, H.P.B. menciona a arrogância e o orgulho como os primeiros sinais da transferência de uma doença física para o plano moral e mental. Desta afirmativa podemos deduzir que, entre outras coisas, certos desafios na área da saúde são necessárias lições de humildade em relação à vida física. Os cuidados com a saúde ensinam a alma a viver com mais atenção e simplicidade.
Assim, o conhecimento da lei do carma e da reencarnação nos permite lembrar que não há efeito sem causa, nem doença física sem uma imperfeição que a originou. A filosofia esotérica ensina a combater também a origem, e não só os efeitos do sofrimento. A medicina correta responde ao sofrimento físico no nível físico e vital, sem pretender eliminar artificialmente este sofrimento, o que faria apenas com que ele retornasse para o plano sutil de onde surgiu.
O mais correto é aplicar as medicinas físicas para combater os efeitos, e usar a teosofia − a medicina da alma −, para eliminar as causas do sofrimento. Para a filosofia esotérica, toda prática de “magia” com fins de ganho pessoal é pior do que inútil. Tampouco se admite, em teosofia, a busca do desenvolvimento artificial de siddhis inferiores. Só quando a arte de curar é um dom natural do indivíduo, e quando este dom é utilizado com total altruísmo, não existe um veto. Na carta 111 de “Cartas dos Mahatmas” (Editora Teosófica), um Mestre aprova em 1883 a realização de uma experiência de cura mesmérica. Nos primeiros anos do movimento teosófico, Henry Olcott, um colega de H.P.B., realizou curas magnéticas durante algum tempo, até receber ordens de interromper a prática. Estes eram os tempos pioneiros, e tais práticas eram feitas sob a supervisão de raja-iogues proficientes em ocultismo. Mais tarde começou a mistura de dinheiro e de interesses pessoais com tais curas. Em 1890, aproximava-se o final da missão de H.P.B. Era necessário alertar para o fato de que tais práticas começavam a cair nas mãos de pessoas espiritualmente ignorantes, e o conhecimento passava a ser usado de um modo que acabava por aumentar o sofrimento.
Hoje, no Brasil, o que se faz na área das medicinas alternativas “sutis” está amplamente comercializado. E também parece inexistir um sistema estabelecido e eficaz de verificação da ética e da eficácia, especialmente nos casos de curas prânicas, reiki, passes magnéticos e práticas semelhantes. Por estes e outros motivos, a teosofia original recomenda evitar as “curas mentais” e demais formas de uso de poderes psíquicos inferiores. A filosofia esotérica autêntica ignora os “siddhis inferiores” – aqueles “poderes” que respondem a motivações do eu pessoal e dos seus interesses de curto prazo. A meta do estudante da filosofia teosófica é o contato ampliado com o seu próprio eu superior. Ele se concentra na calma expansão da sua consciência individual em direção à unidade consciente com as leis do universo. Este é o tesouro que está nos céus, e o resto lhe será dado por acréscimo.
A clara distinção entre as coisas ocultas que na realidade pertencem ao mundo inferior e as realidades ocultas que pertencem de fato ao mundo espiritual, constitui um ponto decisivo em teosofia. Em seu nível inferior, o mundo oculto ilude; em seu nível superior, ele liberta.
NOTAS:
[1] Veja o antepenúltimo parágrafo do texto de HPB “O Progresso Espiritual”, na seção “Helena Blavatsky” de www.filosofiaesoterica.com . HPB também abordou com simpatia e respeito o tema da homeopatia em outros textos, estabelecendo uma relação entre esta prática medicinal e a alquimia.
[2] Traduzido do livreto “Five Messages From H.P. Blavatsky To The American Theosophists”, Theosophy Company, Los Angeles, 1922, 32 pp., ver pp. 26 e 26. O livreto reúne cinco mensagens mandadas por HPB aos teosofistas norte-americanos em quatro das suas reuniões anuais, em 1888, 1889, 1890 e 1891. Outra edição dos mesmos textos (com ilustrações e com um estudo histórico) é “H.P. Blavatsky to the American Conventions - 1888-1891”, T.U.P., Pasadena, Califórnia, 1979, 74 pp.
[3] Veja o volume X de “Collected Writings of H.P. Blavastsky” (TPH, Adyar, Índia,1988), texto 'The Empty Vessel Makes the Greatest Sound', pp. 285-288, especialmente p. 287.
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