
Algumas vezes em minha caminhada ouvi de praticantes espirituais expressões como “é preciso matar o ego” ou “é preciso abandonar o ego” para trilhar um caminho de iluminação.
Nada mais falso.
Ego, em latim, significa “eu”. Tanto Freud como Jung afirmavam que o ego tem a função de controlar a vida consciente e ligar o mundo interno ao mundo externo. Para Jung, o ego é um complexo (com idéias inconscientes associadas a vivências). Dessa forma, não é possível “matar” ou “abandonar” o ego. O primeiro passo rumo ao tão sonhado estado búdico/crístico de consciência é harmonizar/organizar o ego.
É verdade que o ego em seu estado negativo* (como o apego, raiva e ilusão**) atrapalha a total fusão com o Cosmos (nível cósmico de consciência). Isso devido ao ego ter a natureza da dualidade enquanto o Cosmos é não-dual. Por exemplo, o ego sendo o “eu”, entende que existe o “outro”. O Cosmos, entretanto, é “Uno” (indivisível), portanto não-dual.
Mas o ego é nossa manifestação de individualidade, sem o qual nem mesmo o mais elevado espírito pode encarnar. O desafio humano-espiritual de uma vida terrena é justamente conseguir equilibrar o Ser cósmico (não-dual) com o Ego (dual).
Assim, um dos perigos de afirmações como “é preciso abandonar o ego”, é a tendência de negar as pequenezas, reprimindo-as. Noutras palavras, a tentativa de “matar” (ou “abandonar”) o ego é a sabotagem do próprio ego negativo na jornada da alma.
Além disso, reprimir as pequenezas é torná-las mais fortes e perturbadoras à nossa psique. Com o ego perturbado e/ou desestruturado, buscar a iluminação pode ter um desdobramento trágico: o estado de fragmentação entre a nossa natureza pessoal e a prática diária. Tendemos a criar uma máscara usando como referência um padrão/apego espiritual, deixando de viver o eu-interior.
Essa fragmentação se manifesta geralmente na própria vida do(a) praticante espiritual. É possível se desenvolver práticas rigorosas espirituais, enquanto não se consegue o mínimo para a subsistência física-terrena. Ou ainda, ter uma vida física-terrena abundante, belas práticas espirituais, mas ter uma mente cheia de preocupações e/ou uma vida emocional conturbada.
Em alguns casos mais extremos, é possível se desenvolver estados psicopatológicos. Algumas pessoas buscam iluminação de forma tão distorcida que acabam desenvolvendo ao longo do tempo estados psicóticos (distorção e/ou perda de contato com a realidade). Isso ocorre com o uso mal orientado de técnicas de hiperconsciência (estado mental de êxtase divino), e sobretudo com o abuso de drogas psicoativas para alterar e expandir a percepção espiritual.
Por outro lado, com o ego equilibrado, aceitando que temos que trabalhar limitações e tornando-as conscientes, é possível galgarmos o verdadeiro caminho da iluminação. É possível trabalharmos no sentido de dissolver as negatividades e integrar o ego ao nível do Ser (não-dual).
Então, em vez de “morte do ego”, talvez seja mais propício falarmos de “transformação do ego” em seus aspectos negativos. De transmutar as negatividades que distorcem o discernimento límpido do verdadeiro movimento da vida espiritual: a expansão gradativa e equilibrada da consciência.
Portanto, o sentido saudável e legítimo da “morte do Ego” é unicamente a transformação. A coerência entre o ego e a Iluminação. A integração do Ser nos níveis físico-terreno, emocional, mental e espiritual.
* O ego negativo possui um caráter positivo e outro negativo. Eles são contrapostos a consciência crística e funcionam como dois lados da mesma moeda. Se o indíviduo fica preso a um dos lados, ele estará ligado também ao outro. Exemplo de dualidade: apego X não-apego. O mesmo exemplo em nível de consciência crística: atitudes de preferência. A única forma de alcançar a consciência crística é transcender aos dois lados do ego, ou seja, transcender a dualidade (STONE, 2001, p. 82, 83).
** Segundo o Budismo Tibetano, são os três venenos. “Podem ser entendidos como aflições psicológicas primárias que perturbam a mente e bloqueiam a expressão de sua natureza essencialmente pura: ‘a ganância/fixação, ódio/aversão e ilusão, ou ignorância fundamental, que percebe da maneira equivocada a natureza da realidade’” (LAMA, 2001, p. 224 apud GODOI, 2010, p 21).
extraido do blog consciência adamantina
Fonte-www.http://vandersongodoi.
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